quarta-feira, 23 de abril de 2014

Nasci negra depois dos 30


2014 é o ano do meu nascimento. Durante 36 anos, ou desde o que  dia em que tenho lembranças de quem fui ou tornei-me a ser, fui  "morena clara", morena e também achei-me branca. Mas,eu negra?  não,não...

Como todo ser humano que constitui-se dentro do seu meio, fui  educada como sendo branca, de religião católica. Nunca havia feito  nenhum questionamento sobre a minhas heranças africanas. Ao  contrário, vive lutando para negar marcas genéticas, como o tipo de  cabelo. Cabelo este que eu considerava ruim e difícil de se manter  domado, dominado. 

Quado a idade de moça foi chegando, achava-me feia e escondia-me  em mim.Porém quando o som dos tambores ecoava através dos  grupos afro que eu via na televisão, sentia fortaleza e atração.Naquela  tempo, eu menina-moça morava à beira do rio São Francisco, nascida   em terras baianas de Juazeiro e crescendo em terras  pernambucanas de Petrolina. Missas e alisamentos colocavam tão  herança bem longe de mim.

Mas o gosto pela música vindo da minha Bahia, onde foi gerada e  recebida, ecoava em minha alma e me trazia sensação de ligação e  que querer chegar mais perto. Mas eu? negra não! A música era  deles..

No crescimento do corpo físico e desejo de crescimento intelectual  sigo para capital Recife, desejando o Jornalismo. Os olhos abrem-se  para novos "mundos" representados em sons, em textos, em gente.  Era maracatu, coco, ciranda...Som que ecoava em mim.  Conquistando-me...religando-me. Mas eu? negra não!

O som dos tambores, o bailar dos grupos afro me encantaram. Os  primeiros anos na capital também marcaram a minha vida na busca  por uma religiosidade mais profunda. Foram tempos de andanças e  de buscas...Mas eu, "morena". 

Os dogmas do catolicismo já não me pertenciam. Abraço o espiritismo  kardecista que mostrou-me o valor da nossa caminhada e a  imensidão do mundo espiritual. Mas, negra não. Religiões afro- brasileiras, não, não. Não poderia fazer parte de mim. Ali era espaço  para eles.

E em meio aos vendavais encontrei o candomblé, ou o candomblé me  encontrou. Assim vi me sendo iniciada aos 34 anos, adentrando em  novos espaços que me permitiram ver tamanha riqueza. Mas, eu,  ainda branca. E neste espaço fui percebendo a riqueza e a fortaleza  do meu povo negro.

Eis aqui, aos 37 anos pude nascer negra. Nascimento que não foi  forçado como na cesárea. Foi parto natural, parto amadurecido, parto  que esperou tantos anos, filho mais que desejado.  Foi gestado e  alimentado com leitura, pois nasceu um tempo em busca da cura  física que foi transformada em tempo de alimento.

Nasci negra em meio à busca da cura física. Nasci negra e agora  como uma criança tenho desejos infinitos de entender este meu  mundo negro. Cada dia tem sido posto para grande descobertas,  momentos do passado que tento entender, pessoas e fatos que tento  entender. Encantamento com a vida nova. Braços vão sendo  apresentados a mim, mãos me ensinam a caminhar, pessoas  maravilhosas vão me guiando. E como toda criança, vou enchendo  meu coração de sonhos e ficando feliz com os presentes que me  chegam.

# Shirlene fica feliz com cada amigo e amiga que têm feito  pelos quatro cantos do Brasil. Tem Xangô como seu orixá de cabeça e  deseja semear ações que eliminem o racismo e as injustiças contra o  povo negro. Também deseja contribuir com novos nascimentos  negros. Sua casa espiritual é o Terreiro Xambá (Olinda).

Ponta de Pedras, Goiana, Pernambuco, 19 de abril de 2014 (Sábado  de aleluia para os cristãos).

2 comentários:

  1. Adorei sua página! Desejo sucesso e muita beleza em sua vida! Que Yewa (meu eledá) te abençoe.

    Abraços

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    1. Querida Fátima,
      Gratidão pelas suas palavras, pois elas me impulsionam a ir em frente.
      Continue nos acompanhando! Abraço de luz, Shirlene

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